sábado, 7 de outubro de 2017

O Fórum Universitário do Mercosul vive

O Fórum Universitário do Mercosul vive

Gisálio Cerqueira Filho

Entre os dias 27 e 29 de setembro de 2017 realizamos, na Universidade Federal da Bahia, em Salvador, o XVI Congresso Internacional do Fórum Universitário do Mercosul (FoMERCO) sob a presidência Do Dr. Renato Vieira Martins. Foram dias intensos carregados de latino-americanidade vividos desde o momento da conferência de abertura, pelo Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães,  espraiando-se pelas mesas redondas e 13 Grupos de Trabalho (GTs).
O nosso propósito é dar conta aos nossos leitores da participação do (Núcleo Observando o Sul – NOS – da Universidade Federal Fluminense (UFF), no GT 13 intitulado “A América Latina e o Sul Global – novas abordagens, velhos problemas”. O referido GT coordenado pelos Professores Danielle Araújo  (UNILA)  e Alejandro Casas (UDELAR) teve uma dinâmica muito positiva com a participação dos seguintes acadêmicos: Ana Lethycia França Araújo, Carla Oliveira Espanhol, Débora Menezes Alcântara, Gizlene Neder, Gisálio Cerqueira Filho, Jean Michel Daros Hack, Joseli Fiorim Gomes, Lina Sofia Mora Rios, Ludmila Ferreira Ribeiro, Maicon Fabrício Batista de Jesus, Paula de Souza Constante, Sanel Charlotin, Thaise Edith Coimbra Sampaio. As instituições presentes: UERJ, UFC, UFF, UFMG, UFRGS, UFS, UNEB, UNILA.
Os temas abordados cobriram desde a integração regional latino-americana, o repensar pós-colonial/decolonial da integração regional inscrito na teoria do “Sul global”, cujo mote está representado na frase “nuesro norte es el Sur” dado pela estética de Torres Garcia, até a cultura política que envolve tanto constitucionalismo moderno quanto as tendências do constitucionalismo andino presente chamado “giro biocêntrico” e nas considerações acerca do “buen vivir”. Também a autonomia Guarani Charagua Iyambae foi abordada sob o prisma da colonialidade do poder.
No caso concreto do Núcleo Observando o Sul – NOS – da Universidade Federal Fluminense (UFF), Gizlene Neder e Gisálio Cerqueira apresentaram o trabalho intitulado Patriotismo da constituição e neo-tomismo: Cultura político-jurídica e cidadania na América Latina.
O objetivo foi problematizar a expressão utilizada pelo filósofo alemão Jürgen Habermas, “Patriotismo da Constituição” (Verfassungspatriotismus). Destacamos principalmente seus efeitos na arena das disputas ideológicas que estão dividindo vivamente a sociedade contemporânea. O “patriotismo da constituição” (e sua defesa) tem sido tomado como estratégia central de repúdio e desprezo às múltiplas expressões de projetos particulares, de natureza étnica ou não, quase sempre referidos como autoritários, populistas e antidemocráticos. Trata-se de um vínculo “patriótico” não com as raízes étnicas de uma pessoa, ou com o local de nascimento, mas com a constituição dita democrática do Estado que abrange igualmente a totalidade dos cidadãos. Nesse sentido, chamamos a atenção para o fato de que os aspectos democráticos e progressistas do constitucionalismo moderno podem ser mera aparência; sobretudo quando pensados de forma abstrata – ou por outra, ainda imersos na metafísica. Para o filósofo esloveno Slavoj Zizek [1], a interpretação de J. Habermas é perigosa e encobre, na verdade, uma postura autoritária sob a capa da defesa dos direitos humanos, ou de defesa da cidadania. Jürgen Habermas teria esquecido a lição básica que se deve tirar de Carl Schmitt (1888-1985), e que envolve a divisão política “entre amigo e inimigo” que permeia a cultura jurídico-política. O inimigo na contemporaneidade frequentemente estaria associado, para ficarmos tão somente na América Latina, às novas lideranças emergentes tal como sindicalistas, indígenas, afro-descendentes, moradores de favelas e periferia das grandes cidades; militantes de ONGs, soldados, entre outros.
Esta divisão nunca é apenas a constatação de uma diferença factual: o inimigo é por definição invisível em sua dimensão crucial. Ele se parece com um de nós; não pode ser diretamente identificado e é por isso que o maior problema e a tarefa da luta política são construir e fornecer a imagem identificável do inimigo. Em síntese: para Slavoj Zizek a identificação do inimigo é sempre um procedimento formativo que, em contraste com as aparências enganosas, esclarece (constrói) a “verdadeira face” do inimigo.
Carl Schmitt refere-se à categoria kantiana de Einbildungskraft (o poder transcendental da imaginação). Para identificar o inimigo, não basta a subclassificação conceitual em categorias preexistentes; é necessário “esquematizar” a figura lógica do inimigo, dotando-o de feições concretas e tangíveis que o tornem um alvo apropriado de ódio e luta[2]. No passado, isto aconteceu com a imagem do judeu na Alemanha nazista. E logo a dos comunistas, ciganos, eslavos, etc. A decantação de tal rastro do imaginário, que tem um poder transcendental – porque referido às crenças e imerso na subjetividade dos sentimentos e fantasias neo-absolutistas (aqui o neo-tomismo) [3] – é tarefa necessária para as disputas político-ideológicas [4].
Esta comunicação e as demais suscitaram amplo debate com calorosas intervenções, num clima de respeito e consideração.
Está de parabéns o FoMERCO!










[1] ZIZEK, Slavoj. “O Filósofo Estatal”, In Caderno MAIS, São Paulo: Folha de São Paulo, 24/03/2002.
[2] ZIZEK, Slavoj e DALY, Glyn. Arriscar o Impossível: conversas com Zizek, São Paulo: Martins Fontes, 2006.
[3] NEDER. Gizlene. Duas Margens: ideias jurídicas e sentimentos políticos no Brasil e em Portugal na passagem à modernidade. Rio de Janeiro: Ed. Revan, 2011.
[4] CERQUEIRA FILHO, Gisálio. Autoritarismo afetivo: a Prússia como sentimento, São Paulo: Editora Escuta, 2006.

domingo, 19 de fevereiro de 2017

Cara(o)s Amiga(o)s de Passagens.
Vejam o link de artigo de Gisálio Cerqueira Filho (Editor de Pssagens) sobre CORRUPÇÃO NO BRASIL, publicado na prestigiada "Deviance e Societé" (Suíça), em 1989 (!). Quase 30 anos passados, está atualíssimo... Gizlene Neder (Editora)
http://www.persee.fr/doc/ds_0378-7931_1989_num_13_3_1148

sábado, 14 de janeiro de 2017

Cara(o)s Amiga(o)s:
Confiram a publicação do novo e-book do Laboratório Cidade e Poder, que saiu pela Coleção História On-line da EdPPGH (Editora do Programa de Pós-Graduação em História da UFF). Título do livro: “QUESTÃO RELIGIOSA”, PODER E SECULARIZAÇÃO, fruto dos trabalhos de pesquisa interinstitucional com o apoio do Edital Pensa Rio da FAPERJ. O livro é dedicado à homenagear os 53 anos de magistério de Gisálio Cerqueira Filho, pesquisador do LCP. Gizlene Nederhttp://www.historia.uff.br/stricto/files/public_ppgh/hol_2016_lcp_questaoReligiosa.pdf

sexta-feira, 3 de junho de 2016

NOVIDADE NA POLÍTICA EXTERNA?


Gisálio Cerqueira Filho[1]
Gizlene Neder[2]

Aqueles que dedicaram anos à integração regional da América Latina podemos agora avaliar na contemporaneidade quantas foram as dificuldades encontradas por Simon Bolivar (1783 -1830) para o seu sonho, vivido com tanta intensidade e embates.
Curiosamente, o golpe jurídico-midiático-financeiro no Brasil realizou de tal forma o seu objetivo que os acontecimentos na Venezuela servem de semblante ou máscara para o que de fato importa às lideranças conservadoras que parecem animadas na hora presente. Na nossa opinião, o foco das atenções dos grandes grupos econômicos monopolísticos multinacionais é de fato o Brasil, o seu mercado interno, as descobertas referidas ao Pré-sal, as movimentações realizadas pelo Brasil no plano internacional com a Rússia, Índia, China e África do Sul, parceiros estratégicos que juntos compõem os BRICS. No entanto, os graves acontecimentos que acontecem na Venezuela tiram a atenção de Brasília e impõe Caracas na cena internacional.
Vale uma “piada de português”, mas que reflete humor e ironia, dando a dimensão do problema. Durante a guerra de Portugal nas colônias africanas ansiosas por sua independência, conta-se que um certo dia o primeiro ministro Oliveira Salazar foi comunicado das descobertas de petróleo num patamar maior do que o suposto em Angola. Ao que o dirigente português teria respondido; “Oh! Deus! Não me bastam as lutas coloniais, agora vem mais esta; o petróleo...” Mas o que devemos pensar é como fala Guilherme Estrela, Diretor de exploração e produção da PETROBRAS entre 2003 e 2012: “O Pré-sal é grande oportunidade, não uma grande ameaça”. Todavia, não podemos descartar os interesses que despertam tal descoberta e que podem afetar seriamente a soberania brasileira.
Tudo isto está a acontecer num momento de incorporação de Cuba à “Casa Latino-americana”, parafraseando Gorbachev quando falava em relação à “Casa Europeia”. Inegavelmente, no correr dos anos, realizamos um movimento forte de aproximação com todos os latino-americanos realizando uma autêntica política de aggiornamento. Que esta seja nomeada pelos inimigos desta política, e com um sentido pejorativo, de política bolivariana, é indício flagrante do acerto em relação ao sonho bem sonhado de Simon Bolivar. Mas quantos obstáculos ainda se impõem! Como negar a redução formidável do contencioso com os argentinos nos governos Lula e Dilma Rousseff que, no passado, nos opunha no campo da pesquisa nuclear, da estratégia militar, mesmo de uma aproximação econômica mais solidária. Aqui, deu-se o inverso do que acima foi narrado, pois o sentido pejorativo da expressão “hermanos” para nossos companheiros argentinos e logo transformada em expressão coloquial para dizer das nossas diferenças e inimizade – incorporada com especial gosto ao mundo do futebol – transformou-nos a todos, argentinos e brasileiros. Hoje somos irmãos, sem sombra de dúvidas.
Um outro avanço digno de ser anotado foi aquele ocorrido na área da educação universitária. A criação da UNILA - Universidade de Integração Regional Latino-americana, em Foz do Iguaçu representa igualmente um grande esforço na nossa aproximação.
Deixamos de falar aqui das ações no campo da cultura, pois sabemos o quanto a música, teatro, cinema, fotografia, literatura, a arte em toda a sua diversidade, contribui para a integração entre os povos. Igualmente produziram-se transformações de monta na formação dos que aspiram à carreira diplomática. Em sucessivos encontros internacionais, realizados primeiramente no Brasil e logo em Buenos Aires, Montevidéu e Assunção, o Fórum Universitário do Mercosul (FoMERCO) atestou as discussões sempre proveitosas entre cientistas e pesquisadores reunidos em torno do tema da integração regional.
As discussões são sempre bem-vindas, especialmente no meio intelectual. Entretanto, o que não esperávamos era a pressa com que o Governo interino de Michel Temer, com o ministro de Relações Exteriores José Serra à frente, tomou de assalto o Itamarati, tentando impor um “cavalo de pau” no âmbito da política externa num continente que a duras penas vem concentrando esforços numa proposta de multilateralismo internacional, em cujo projeto o Brasil despontava como um player que até então merecia ser ouvido nas suas ponderações.
Celso Amorim, Marco Aurélio Garcia, Samuel Pinheiro Guimarães foram protagonistas no exercício de uma liderança nada desprezível respaldados por sucessivas vitórias eleitorais.
            Para alguns, a história de vinte anos do Mercosul aponta mais no sentido da integração cultural do que na integração das cadeias produtivas, ou no que se refere à integração monetária ou até à integração política. E isso, mesmo após a inauguração da rodovia Transoceânica no último dia 15 de julho de 2011. A perspectiva de um corredor de commodities que possa alcançar o Oceano Pacífico (Porto San Juan, Porto Matarani, Porto Ilo) partindo do lado brasileiro desde Assis Brasil, no Acre, e passando por Puerto Maldonado e Cuzco, no Peru não arrefeceu o ânimo dos críticos da integração regional. Vários deles preferem ressaltar os obstáculos e frequentemente são citadas as dificuldades a) na coordenação das políticas macroeconômicas; b) na livre circulação de bens entre os países membros; c) nos desequilíbrios, sejam nas complementações econômicas setoriais sejam nas balança comerciais entre os países. Outros preferem enfatizar as trocas assimétricas ou o potencial maior do Brasil. Alguns chegam a citar os setores de máquinas agrícolas, eletrodomésticos, têxteis e móveis como exemplos flagrantes de desnível nas relações comerciais. Há reclamações e vozes dissonantes. Não há dúvida, há desequilíbrio estrutural, há desníveis de escala e gargalos na integração real que acabam por não favorecer a integração regional como um todo. Mas não se pode desmerecer a caminhada percorrida até aqui que, sem dúvida, é positiva.[3]
O que nos causa  impacto é precisamente que José Serra, tenha corrido com muita sede ao pote... Intelectual renomado, pensador da economia brasileira, reconhecido nacional e internacionalmente, não se fez de rogado em assumir o posto de Chanceler do Ministério das Relações Exteriores devidamente protegido pela absorção da política do comércio exterior ao Itamarati. Engenhosa solução, menos para o Brasil e mais para a proteção do ex-candidato à presidência da república.
A maneira como tem se posicionado, as querelas com atuantes grupos de manifestantes em vários países estrangeiros e intelectuais brasileiros que indagam da sua legitimidade política para impor fortes mudanças na política externa sem o respaldo eleitoral, com certeza não honra a tradição democrática do atual senador e ex-dirigente estudantil de reconhecida liderança quando jovem.
           




[1] Professor Titular de Teoria Política na UFF.
[2] Professora Titular de História na UFF.
[3] Cerqueira Filho, Gisálio (Org. e co-autor). Sulamérica Comunidade imaginada: emancipação e integração. Niterói: EdUFF, 2011.  367 pp. [Anais do XI Congresso Internacional do Forum Universitário do Mercosul  (FoMERCO) realizado entre 8 e 10 de setembro de 2010, em Buenos  Aires]. 

quinta-feira, 5 de maio de 2016

MIDIATIZAÇÃO DA CRISE


Gisálio Cerqueira Filho[1]
Gizlene Neder [2]

Desde la perspectiva de quien no vive el día a día la política brasileña, debo decir que soy capaz de percibir que el espectáculo ofrecido con el juicio político seguido contra la presidenta Dilma Rousseff se asemeja mucho a los ya vividos en otros países como Paraguay u Honduras, en los que, como ahora, el golpe se fraguó institucionalmente por parte de quienes solo están interesados en alcanzar el poder a cualquier precio” (Baltasar Garzón Real, jurista, Magistrado Juiz y advogado espanhol).

[1] - Judicialização e Midiatização da Crise –
MIDIAtização – MÍDIA, a pronúncia vem do inglês, mas a expressão vem do latim MEDIA (meios). A fonética em inglês de uma expressão latina é já um sintoma da presença dos EUA na cultura política brasileira. Há um movimento político da nova direita que conta com apoio na atual judicialização da política (crise) e da midiatização desta crise para tirar a presidente do poder executivo como se estivéssemos no parlamentarismo, pois a presidente perdeu a maioria no congresso nacional. O presidencialismo de coalizão foi praticado pelo PSDB, o qual, todavia, não o aceita quando a liderança é da esquerda ou centro-esquerda. É como se os sentimentos políticos que embasam a legitimidade da coalizão estivessem cravados nas concepções religiosas de pureza dos “ eleitos de Deus” – estes sim; podem realizar coalizões, pois não se corromperão; e quando isso ocorrer é para o bem a ser alcançado sabe-se lá quando...
The medium is the message (Marshall McLuhmann) é mote para o movimento para apear Dilma do Poder, pois que passa pelo monopólio da televisão (REDE GLOBO) e pela ausência de “controle social” vigente da mídia. O contraponto das redes sociais mostrou-se insuficiente para barrar o poder midiático; embora elas tenham sido decisivas nos resultados eleitorais de 2014, que deu a vitória ao PT. Recorde-se ainda que a renovação da concessão para a GLOBO ocorrerá nas vésperas das eleições em 2018.

[2]
 Uma interessante questão é que a mídia estrangeira, interessada no Brasil, faz um belo contraponto ao monopólio da REDE GLOBO, e esta é certamente uma novidade no cenário internacional. A mídia estrangeira tem feito um trabalho jornalístico mais profissional, o que deixa a mídia brasileira incomodada. Então ela precisa dar uma satisfação à sua audiência.

[3]
Ficção guiando a realidade?
Reportamo-nos a recente artigo publicado em O GLOBO. O título diz muito: “A cabeça de Lula”. Há o fato de que o cineasta José Padilha acabou de fechar um acordo com a empresa norte-americana NETFLIX para a elaboração de um seriado sobre a “Operação Lava-Jato”. No ensaio de 18 de abril Padilha sugere a hipótese de haver evidências irrefutáveis contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva capazes de justificar sua prisão e condenação pelo juiz Sergio Moro... À tal hipótese segue-se outra de que, neste caso, os “fanáticos lulistas” entrariam em campo para exigir que o STF corte mais cabeças. Padilha chega a dizer cinicamente que então estaria com o PT. E, por fim, conclui que o futuro do Brasil talvez dependa de uma só coisa: da cabeça de Lula. A esta notícia assim reagiu o advogado de Lula, Cristiano Martins Zanin: “Caso o seriado de Padilha dependa da “cabeça de Lula” para fazer sucesso, ele vai viver um problema. O mais fácil será ir atrás de outro personagem que se curve à sua realidade particular”.
E ainda há quem diga que não há um golpe em curso no Brasil. A midiatização de uma crise econômica séria deu asas ao imaginário das elites que viu no horizonte uma oportunidade de golpe jurídico-midiático-financeiro contra as forças populares, malgrado todos os erros de gestão e alcance político que o governo de coalizão do PT tenha cometido...
A gestão pública não confere no presidencialismo, ainda que de coalizão, o direito de derrubar a presidente da república legitimamente eleita. Mas há mais: sugere-se já descaradamente que Lula pode ser preso a qualquer momento. O golpe em curso é também preventivo contra eventual candidatura de Lula mais adiante.

[4]
A nossa conclusão, nestas breves reflexões, é que o golpe em curso não é uma questão do pensamento, sequer do pensamento jurídico ou da “ciência do direito”, como muitos ainda gostam de dizer. Não é também uma questão estritamente afetuosa, uma posição afetiva contra o PT ou a presidente. O golpe é uma questão prática que já está em curso. Esta interpretação é também acompanhada por André Ramos Tavares, professor titular da USP, que atua na área do Direito Constitucional Econômico. Já foi Pró-Reitor da PUC-SP e tem livros publicados, entre eles, com Ives Gandra Martins e Gilmar Mendes, conhecidos críticos do Governo. Citamos “Lições de Direito Constitucional em Homenagem ao Jurista Celso Bastos”.




[1] Doutor em Ciência Política pela USP. Professor Titular de Teoria Política na UFF.
[2] Doutora em História pela USP. Professora Titular de História na UFF.

quarta-feira, 6 de abril de 2016

OLIGARQUIAS REGIONAIS E A FEDERAÇÃO BRASILEIRA


Gisálio Cerqueira Filho *
Gizlene Neder **

     A república brasileira é complexa e sua análise exige uma reflexão histórica, onde devemos colocar na bandeja das ponderações o aspecto autoritário, oligárquico e excludente, que foram hegemônicos entre 1889 e 1988 e além. Não estamos falando do período colonial; estamos abordando o instante presente da república.
     Identificamos três grandes forças políticas que se apresentam nestes cento e tantos anos de regime republicano: as oligarquias agrárias, a Igreja católica romana (nas últimas décadas, as igrejas protestantes) e as forças armadas. A Igreja havia retirado o apoio à monarquia nos episódios relacionados aos bispos de Olinda e Belém do Pará na chamada “Questão Religiosa” na década de 1870. Os militares expressavam um republicanismo radical e anticlerical (com forte presença do positivismo). Por sua vez, a “questão religiosa” no Brasil republicano implicou um processo de secularização lento, tendo a Igreja católica decidido não formar qualquer partido político. Atuou, no entanto, para garantir uma capilaridade de influência em todos os partidos e forças políticas. Cuidou atentamente para influir na política (aparentemente de fora dela), atuando especialmente na Educação e na Assistência Social que chamou de “serviço social”; as crianças, as famílias e os pobres “seriam dela”, Igreja.
     Na hora presente, texto recente assinado pelo bispo auxiliar de Brasília e secretário geral da CNBB, Leonardo Ulrich Steiner, em conjunto com a Associação dos Magistrados Brasileiros, a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho e a Associação dos Juízes Federais do Brasil apela para que "as entidades da sociedade civil se unam pela superação da intolerância e pela busca de soluções que priorizem o compromisso com o interesse comum do país".
     Aqui vamos dar especial atenção à terceira força política presente neste longo período republicano: as oligarquias agrárias; elas são o verdadeiro nó górdio da política brasileira. São diferentes regionalmente (em tantas singularidades quanto são as formações históricas regionais que foram unidas pela política do Império). Para alguns historiadores e cientistas políticos, o problema do Brasil são as massas, “amorfas, desorganizadas e sem educação política”. Queremos defender exatamente o contrário. Para nós, o problema do Brasil está em suas oligarquias, diferentes entre si (difícil para um observador do Sul entender as oligarquias do Sudeste, do Nordeste, Centro-Oeste ou do Norte). Têm interesses contraditórias entre si, mas complementares e unificados quando farejam perigo para seu poder regional.
     A tipificação da proclamação da república em 1889 como golpe foi durante muito tempo evitada pela historiografia republicana, pois poderia levar água para o moinho da defesa da monarquia. Contudo, a proclamação da república implicou uma decisão política autoritária e deixou de fora do poder político vários setores do republicanismo genuíno com um viés liberal e democrático. Desagradou um Silva Jardim, um Clovis Bevilaqua para citar dois amigos que quando estudantes defenderam o republicanismo.
     Qualquer pacto político e social exige a articulação de diferentes forças sociais e políticas e sua correlação no sentido vertical e horizontal. O sentido vertical se refere às classes sociais e sua correlação de forças. Já o sentido horizontal se refere às forças dominantes supostamente com igual poder político (oligarquias regionais).
       O país saiu da escravidão (em 1888) e implantou a república em 1889 através de um golpe militar, dado contra a monarquia. Nenhum pacto social pós-abolição da escravidão implicou a inclusão da massa de ex-escravos à cidadania republicana. A presença de muitos intelectuais monarquistas impediu durante um bom tempo a referência ao primeiro golpe republicano dado pelos militares incentivados pelos interesses das novas oligarquias do café paulista, articuladas no Partido Republicano Paulista (PRP), com a participação do Partido Republicano Mineiro (PRM); aliados, mas não iguais. O movimento republicano no Brasil pode ser dividido em duas grandes correntes: o republicanismo genuíno (setores das classes médias urbanas, intelectuais, profissionais liberais) e o republicanismo da hora (setores novos das oligarquias agrárias que estavam fora do jogo de alianças políticas durante o Segundo Reinado do império brasileiro. No Segundo Reinado, a unidade política era garantida pela força (militar) que sufocou todos os movimentos políticos liberais radicais regionais e independentistas e pela aliança entre as oligarquias escravocratas do Norte (desde a década de 1950 chamado ‘Nordeste’) e as oligarquias cafeeiras escravocratas do Vale do Paraíba fluminense. As oligarquias do Vale tinham forte ligação com Minas Gerais e se estabeleceram no Vale do Paraíba fluminense numa atividade substituta da antiga exploração do ouro. Esta é uma das razões que diferenciam as oligarquias paulistas das outras oligarquias do que hoje chamamos ‘Sudeste’ – Minas/Rio e São Paulo. De fato, olhando o processo histórico com a lupa invertida da longa duração, devemos dizer que se tratam de duas escolhas políticas da colonização portuguesa: a opção pela escravização de indígenas (bugreiros) e a opção pela imigração compulsória de escravos oriundos da África (negreiros).
     Embora mudanças modernizadoras tenham ocorrido no país a partir da Revolução de 1930, identificamos uma permanência de longa duração da cultura política do poder local das oligarquias agrárias até o tempo presente – mesmo que tenham mecanizado a produção agrícola, e se designado de “agrobusiness”. Este poder local autoritário foi plasmado no regime escravista e colonialista e foi configurado pela centralização monárquica do Partido Conservador do tempo do Brasil imperial desde a reforma do Código de Processo Penal, de 1841. Esta reforma teceu a teia do coronelismo enquanto uma cadeia de fruição entre o poder central (naquela época designado como governo geral) e os poderes locais. Este pacto foi magistralmente descrito e explicado por Vitor Nunes Leal no seu livro “Coronelismo, Enxada e Voto” (1948), originalmente tese de concurso público para professor de Teoria Política da antiga Universidade do Brasil.
     Em 1930, as oligarquias de segunda grandeza (do Sul e do Norte) se articularam com setores urbanos emergentes da classe média e do operariado e retiraram as oligarquias paulistas/mineiras da direção do poder central. Estas expressavam um republicanismo pragmático, diferente dos republicanos genuínos, liberais radicais, e substituíram os primeiros governos militares. Após 1930, as oligarquias paulistas, derrotadas, ficaram fora do poder central por várias décadas (entre 1930 e 1994).
     A última ditadura militar (1964-1984) implicou ruptura e mudanças na correlação de forças oligárquicas. Aqui não podemos deixar de registrar o impacto da reforma tributária de 1965, pela qual Roberto Campos (então ministro da Fazenda) objetivava quebrar o coronelismo para viabilizar os projetos moderno-conservadores da ditadura. Sem dúvida, havia uma limitação ao poder local dos coronéis; mas não significava, ainda, a sua retirada da cena política. Alguns analistas chegaram a imaginar que o Estatuto da Terra (Lei 4504 de 30/11/1964), do governo do General Castelo Branco, poderia abrir caminho para uma repactuação com as oligarquias agrárias, mas não foi o que ocorreu.
     A Igreja integrista (do conservadorismo clerical) ao seu tempo apoiou a ditadura. A Igreja solidarista (da teologia da libertação) se opôs a ela. O paradoxo do processo político vivenciado pela sociedade brasileira nestas duas décadas de transição para o Estado de Direito tem na inflexão desta força política religiosa um ponto nevrálgico para não dizer traumático. No auge dos movimentos sociais e políticos organizados, mobilizados pelo solidarismo da teologia da libertação, em 1980, Karol Wojtyla (João Paulo II) é escolhido para realizar um papado conservador, de corte europeizado, e para atuar na desmobilização/constrangimento da teologia da libertação, predominantemente latino-americana. Quando hoje constatamos a ausência de possibilidades de escolha de lideranças políticas no tempo presente, perguntamo-nos pelo esvaziamento político do campo solidarista que se encolheu imensamente desde 1980. O Brasil era o país onde a teologia da libertação e suas comunidades eclesiais de base (CEBs) eram mais numerosas e fortes, politicamente. Mesmo considerando que este campo político tenha dado ao país um presidente, Luís Inácio Lula da Silva emergiu da pastoral operária do ABC paulista, sua desvitalização produziu um certo vazio político e, sem dúvida é um dos componentes de crise. Já as oligarquias paulistas ficaram fora da presidência da república entre 1930 e 1994, quando é eleito Fernando Henrique Cardoso, pelo PSDB, força política com vários atributos do liberalismo conservador intelectualizado.
     Hoje estamos sim na contingência de uma emergência.
    A dificuldade de pactuarmos o que quer que seja mostra que a crise que vivemos, a despeito de falar à crise econômica mundial e suas consequências, passa por forte crise do poder. O que significa dizer que tal crise real está vinculada à midiatização da própria crise, processo no qual as tecnologias, as técnicas, as lógicas, as estratégias e as linguagens das mídias passam a fazer parte das dinâmicas dos vários campos sociais e políticos.
     Os avanços sociais realizados nos últimos tempos não podem parar. Inclusive no que se refere à integração regional latino-americana; é condição para a consolidação da nova cadeia produtiva iniciada pela formação histórica brasileira na última década. Para isso é necessário investirmos no aperfeiçoamento da qualidade das pessoas e instituições. Isto passa pela necessidade da conversação entre grupos sociais que disputam o poder, pela repactuação da federação brasileira com as oligarquias regionais e pela explícita inclusão da dimensão global da multitude, representada pelos movimentos sociais e locais de excluídos.
     A reforma política com constituinte exclusiva tem sido invocada como saída para a crise política vivenciada intensamente na conjuntura atual. Ao mesmo tempo, a força das maquinações oligárquicas vem sendo designadas pelo campo político das reformas de base como ‘golpe’. A retórica da oposição ao atual governo invoca, casuisticamente, que o impeachment está previsto na Constituição Cidadã.  O fato da Constituição ter um dispositivo para o impedimento de presidentes, não dá ao casuísmo evidente e juridicamente simplório das oposições conservadoras o direito de atribuir uma casualidade à deposição de um governo presidencialista recém-eleito em pleito disputadíssimo. O golpe não é só no governo do Partido dos Trabalhadores, mas na Constituição que previu o regime de governo presidencialista. No parlamentarismo, pode-se substituir um primeiro-ministro que perde popularidade e apoio político do parlamento. No presidencialismo não! Afinal, o país foi convocado plebiscitariamente às urnas para decidir pelo regime de governo em 1993 e o presidencialismo saiu vitorioso. Naquele plebiscito, até o regime monárquico compareceu como opção...
     Na reforma política ensaiada e desejada, podemos sim reabrir o debate sobre o parlamentarismo. Mas primeiramente, temos de colocar o debate político num patamar menos inflamado pela espetacularização midiática. Informar bem informado o campo político nacional sobre a real correlação de forças sociais e políticas no sentido vertical, onde a pactuação entre as classes e seus interesses sociais e políticos sejam, enfim, reconhecidos e legitimados (inclusive os direitos das empregadas domésticas – último bastião da resiliência escravocrata entre nós). E informar também sobre a correlação de forças políticas no sentido horizontal, identificando as variações das oligárquicas regionais. Avaliar bem todos os sentimentos políticos que estão por trás das forças sociais e políticas hegemônicas no interior das diferentes oligarquias regionais, para, então, fazer uma nova pactuação. Tudo, entretanto, respeitados os resultados das últimas eleições (as eleições majoritárias de 2014); sem golpe de qualquer natureza.

*Professor Titular de Teoria Política na UFF
**Professora Titular de História na UFF


quarta-feira, 23 de março de 2016

O SENTIDO HISTÓRICO DA NEGOCIAÇÃO


Gisálio Cerqueira Filho *
Gizlene Neder **

Transcrevemos um trecho da carta do Patriarca Kirill enviada ao Presidente dos Conselhos de Estado e de Ministros da República de Cuba, General Raúl Castro Ruz que foi tornada pública em 14/03/2016. Como sabem, os representantes da Igreja Ortodoxa de todas as Rússias e do catolicismo romano não se encontravam há quase mil anos. Todavia, o porquê de Cuba reunir as condições políticas para tal encontro mereceria um comentário à parte.

“Tem sido uma grande honra para mim receber de suas próprias mãos a mais alta condecoração da República de Cuba, a Ordem José Martí. Considero isso um grande reconhecimento e uma alta estima ao serviço da Igreja Ortodoxa Russa. Gostaria de maneira especial destacar o fato de que Sua Excelência, junto a outros dirigentes do Estado cubano, estiveram presentes no ofício divino oferecido no templo de Nossa Senhora de Kazan em Havana, compartilhando a alegria desta festa com a comunidade ortodoxa na cidade.
Quero muito particularmente agradecer ao senhor e às autoridades cubanas por terem criado todas as condições necessárias para meu encontro com o papa Francisco. Estou certo de que este acontecimento abrirá uma nova página nas relações entre a Igreja Ortodoxa Russa e a Igreja Católica Romana.
         
Este clima, que combina com a histórica visita do presidente Barack Obama à mesma Cuba fortalece um momento de convivência na América Latina que contrasta com as guerras pelo mundo e com a crescente radicalização forçada que observamos no Brasil e nas vésperas dos Jogos Olímpicos.
O fato é que para qualquer observador mais atento fica a indagação perplexa sobre a ligação dos últimos acontecimentos na América Central, a conjuntura continental das Américas (de norte a sul) e os episódios de intolerância e negação da conciliação política, vivenciados no Brasil. Os conflitos sociais acionados de cima para baixo deixam evidente que não foram os setores subalternos que instauraram a conflitualidade no campo político brasileiro que vem num crescendo desde as manifestações de junho de 2013, no momento auge do protagonismo do país na Copa das Confederações e na visita do Papa Francisco ao Rio de Janeiro, para a Jornada Mundial da Juventude.
O aparente paradoxo é que tudo ocorre precisamente no contexto de distensão nas relações diplomáticas entre Cuba e EUA. Nele, podemos mesmo afirmar que, afinal, o “muro” está caindo no Ocidente. Ele foi sendo construído pelo bloqueio comercial a Cuba e sua exclusão da OEA no ápice da Guerra-fria. Tudo indica que as forças políticas que se apresentam nas disputas entre o governo do Partido Democrata de Barack Obama nos EUA e as grandes corporações (aquelas dos fármacos e do petróleo) estão a produzir efeitos disparatados, dissociados e esquizofrênicos em várias regiões do mundo, onde a exploração capitalista e a dominação de mercados consumidores (dos fármacos) e produtores de matéria-prima (petróleo) saltam à vista. Grosso modo, a estratégia é barbarizar as regiões-alvo estimulando guerras fratricidas que produzem como efeito o esvaziamento do campo político local. Neste contexto, sem governo e sem lideranças, a instauração do caos ou o ressurgimento de forças políticas antigas e retrógradas (Estado Islâmico, por exemplo) prevalecem. E os acontecimentos em Bruxelas não deixam dúvidas. No caso da América Latina (especialmente a América do Sul que ensaia uma autonomia através da construção de um bloco multilateral de integração regional), a estratégia de guerra ensaiada (“guerra ao narcotráfico”) esbarrou com a posição firme e negociadora do Brasil e seus embaixadores. O caminho encontrado pelas forças conservadoras internacionais e nacionais foi a desestabilização produzida pelo choque entre os poderes (Executivo, Judiciário e Legislativo). Aparentemente, uma briga interna. Mas será? Afinal, a globalização avançou sobremaneira nas últimas duas décadas...
Observando tudo isso, fica a indagação: é isso mesmo que os setores dominantes que instauraram o conflito querem para o Brasil? Não há mais espaço para negociação política? Quem seriam os negociadores políticos possíveis pela oposição? A nosso juízo Fernando Henrique Cardoso, pelas oposições, deveria rever sua posição aparentemente dogmática de não querer negociar, assumida desde a primeira hora por Aécio Neves que não aceitou os resultados eleitorais.
O Brasil deveria valorizar o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva por sua reconhecida posição de negociador. Ele participou com efetivo sucesso da transição política aproximando frações de classe e grupos sociais diferentes e divergentes. Já anteriormente teve suas qualidades de negociador devidamente testadas, seja no Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, seja nas greves que liderou, seja em distintas negociações no Brasil no exterior, por exemplo, na Volkswagen, na Alemanha. É um trunfo termos uma liderança política como Luis Inácio Lula da Silva: de origem pobre, homem do sertão, trabalhador, sutil negociador político, um vencedor. Feliz o povo que tem um líder como este e que num momento de crise, devidamente nomeado para o Chefia do Gabinete Civil do Ministério, pode vir em auxílio da Presidenta Dilma Roussef e do próprio Brasil.
Na nossa universidade, a Universidade Federal Fluminense (UFF), são muitos os estudantes que estão ansiosos com o que sucede hoje no país. De muitos alunos ouvimos preocupações com o que pode acontecer com os avanços realizados no campo educacional universitário: políticas de inclusão social, expansão do campus em Niterói e substantiva melhoria da Biblioteca Central do Gragoatá (Ciências Humanas); também em relação aos serviços de alimentação no Bandejão. Muitos familiares nos narram episódios de inclusão social que atestam melhorias na educação universitária, no programa “Mais médicos”, que acaba por atender aos pais e outros membros das famílias, das políticas de bolsas acadêmicas. 
Não bastasse o espectro da crise, aqueles que, antes na pobreza, avançaram em algumas conquistas sociais, passaram a ter sentimentos e perspectivas de avançarem cada vez mais. Num momento de crise isso não acontece e pode ocorrer muito compreensivelmente que os mesmos que governaram nos últimos anos (PT, PCdoB, setores do PMDB, enfim da aliança política representada por Lula, Dilma, Michel Temer) sejam cobrados e muito cobrados, tendo em vista uma real hipótese de recuo, com muitos passos atrás nas recentes conquistas.
É um ótimo momento para os interesses contrários e contraditórios em relação a esses novos participantes da sociedade inclusiva. Eles se organizam através das redes sociais e da sociedade civil. Os meios de comunicação hegemônicos mantém, todavia, uma postura mais inflexível. Não apostam na negociação. Observemos que a estrutura das grandes empresas de construção, que o país necessita tendo em vista os investimentos em infraestrutura, fora articulada pelos governos militares, num projeto de estratégia nacionalista, tendo em vista a subordinação colonizada às corporações estrangeiras para a construção de portos e caminhos de ferro na primeira metade do século XX. Uma vez flagradas em corrupção, devem ser agora substituídas por empresas estrangeiras? Responder SIM a esta pergunta seria muita ingenuidade. O papel de protagonista do Brasil no contexto internacional deve ser abandonado? Como seremos esse gigante do continente latino-americano se mal soubermos aglutinar interesses díspares das nossas distintas oligarquias regionais? Vamos relegar ao ostracismo os setores populares e vamos denegar as políticas de inclusão social? Vamos abdicar desta responsabilidade, simplesmente pela falta de um “negociador de estilo” (burguês)? Convenhamos, é muita mesquinharia juntarmos misoginia à Dilma com o preconceito contra Luiz Inácio Lula da Silva para jogarmos fora uma invulgar oportunidade de avançar mais e mais, na paz, na negociação e no congraçamento. Avançar, sobretudo na reflexão do quanto é estrutural a corrupção no financiamento dos partidos e dos embates político-eleitorais.
          Assim, se o instante se oferece a nós como oportunidade, ele também é propício as maledicências, inverdades, meias-verdades e até verdades que, uma vez associadas, em tantas ocasiões aumentam ou até produzem falsidades, preconceito, desprezo, calúnias, malquerenças.
Nenhuma destas nossas reflexões vai contra a apuração de práticas de corrupção.
No momento, Luiz Inácio Lula da Silva está nesse entre-lugar. Vai ou não vai para a Chefia do Gabinete Civil?
Vamos cooperar com o Brasil ou não? Vejam, não se trata de tornar Dilma Rouseff  cativa da cadeira de presidente, nem exatamente realizar o impeachment como ato de vingança política. Os magistrados, juízes de todas as instâncias, em especial da Suprema Corte, do STF, deverão tomar decisões com os olhos no futuro presente. E há confiança na sua ação.
Há pouco ouvíamos um fragmento de diálogo entre três mulheres. Fragmento pescado de modo fortuito, apenas com uma escuta atenta, como gostava de fazer o escritor italiano Antonio Tabuchi, nas suas andanças. O diálogo envolvia três mulheres, do povo, na faixa dos trinta anos de idade. Duas pareciam evangélicas, uma católica. A católica, de fácil identificação, dizia: “agora, e na semana da Páscoa que se aproxima, só há uma salvação aparecida”. Ouvidos apurados, aparecida referia-se a Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil. E continuava: “ela não vai faltar”. Só ela para atender ao VOLTA LULA. As outras duas, que pareciam não concordar, arrematavam. Uma dizia: é mesmo? Só o Senhor é capaz do milagre! E a outra: “agora, só com muita oração! Necessitamos orar”. Notamos que católicas e evangélicas convergiam em nome da política...
O instante que vivemos pede que as maiores e melhores lideranças políticas do Brasil reflitam sobre os riscos que estamos vivendo com a crescente judicialização da política. E com a crise artificial que, embora real, está visivelmente inflada e potencializada.
É hora de pactuarmos o presente e o futuro, com inteligência, cautela e tolerância. Simples assim...


*Professor Titular de Teoria Política na UFF
**Professora Titular de História na UFF